A Terapia (4) - O reconhecimento do eu inferior e a confiança no helper
Este talvez seja o tópico mais árduo de abordar entre todos os já escritos e os que ainda escreverei nesta série de artigos do blogue.
Apesar de me sentir internamente autorizado para tratar do
assunto, não é uma área da qual detenho pleno domínio, não tenho uma formação específica em
psicologia ou psicanálise, nem tampouco experiência de atendimento como helper
de Pathwork. Valho-me, todavia, da minha experiência de muitos anos em
terapia (como paciente), as leituras que fiz sobre o assunto ao longo da vida,
bem como minha formação no Pathwork.
Eu espero que sejam orientações sensatas, que deem um norte
ao leitor neste processo tão dinâmico, técnico e profundo que pode ser a
experiência de estar em terapia e da relação entre helper e paciente. O foco será dado principalmente à dimensão do paciente — no caso, o pathworker que adentra esta etapa do Caminho.
No âmbito de uma terapia feita pelo método Pathwork, o objetivo
será sempre expandir o autoconhecimento por meio do gradual reconhecimento do
eu inferior do paciente. No caso, o entendimento cada vez mais claro dos
padrões destrutivos de pensamento, sentimento e reação emocional, da origem
deles na história pessoal e das imagens pessoais formadas, que são as conclusões
irreais sobre relacionamentos interpessoais e sobre situações de vida que o indivíduo
formou a partir de sua experiência.
Penso que a terapia é uma dimensão verdadeiramente poderosa — neste Caminho ou em qualquer outro. A capacidade que este espaço de fala e escuta
especializado tem para adentrar, compreender e elaborar os labirintos psíquicos
de um indivíduo é, provavelmente, sem paralelo em relação a qualquer abordagem alternativa.
Em certo sentido, considero a terapia indispensável ao processo de
autoconhecimento e autotransformação. Não necessita ser um processo perene, mas deve existir por um período suficiente para que um grau de autoconsciência e
maturidade bastante razoável seja atingido e permita ao indivíduo a autonomia
de desdobrar seu processo de autotransformação em outras frentes.
A autorresponsabilidade é um conceito espiritual fundamental no método Pathwork, perpassando cada fase do processo de autotransformação e não poderia
estar ausente para o pathworker também na dimensão da Terapia. O
helper é uma peça fundamental na dinâmica terapêutica que se estabelecerá,
na condução do trabalho, mas é, antes de tudo, um facilitador de todo o
processo. O protagonista é o pathworker e sobre ele recai a maior
responsabilidade pela efetividade e desdobramento do “tratamento”. Ainda que o
aluno se encontre em situações emocionais de maior fragilidade, a
autorresponsabilidade estará sempre no pano de fundo.
Em suma, o pathworker em terapia deve ter a consciência da sua responsabilidade no processo, que vai requerer dele, sempre, muita honestidade consigo mesmo e com o helper. Deve considerar que é do seu maior interesse a ampliação de consciência que a Terapia pode trazer, que o helper não é um oráculo ou guru com todas as respostas – ainda que tenha uma escuta competente e uma condução técnica e sensata -, que a decisão de perseverar ou terminar a Terapia, bem como substituí-la por outro método e/ou profissional está, na maioria das vezes, na alçada do próprio paciente. O helper não salva ninguém; cada um 'salva' — ou, mais apropriadamente, redime — a si mesmo.
Obviamente, estamos tratando da maioria dos casos em que o paciente em terapia possui algum espaço já estabelecido de autogoverno, capaz de exercer minimamente sua autonomia.
Neste contexto, o pathworker deve buscar uma motivação limpa e bem-intencionada para o esforço da Terapia. Os obstáculos a esta motivação devem ser identificados com clareza e, o quanto antes, serem objeto de análise dentro do processo da terapia mesmo. Ele deve contribuir para a criação de um setting terapêutico que expresse confiança, segurança emocional e honestidade. Agendas ocultas, correntes de intencionalidade negativa veladas, manipulações e espaços internos mantidos em segredo por muito tempo tiram energia do processo terapêutico e acabam por sabotá-lo.
Devemos entender o termo setting terapêutico como o conjunto de condições estruturais, simbólicas e relacionais que sustentam o processo terapêutico. Ele não se refere apenas ao ambiente físico, mas ao "acordo" tácito e explícito que permite que o inconsciente do paciente se manifeste com segurança no ambiente da terapia. São elementos que formam o setting terapêutico: lugar e frequência das sessões, sigilo e confidencialidade, postura profissional do terapeuta, relação de confiança estabelecida, limites claros (o que é ou não permitido na relação), neutralidade técnica e o propósito comum de transformação do paciente.
Um indicador importante do estado de liberdade interna, segundo o Guia, é o grau de liberdade com que o paciente se permite discutir com o helper sobre aspectos e circunstâncias da vida que lhe causam vergonha. Esta barreira interna, se existente, pode fazer com que aspectos desabonadores de nosso caráter, culpa falsa ou imagem recém-identificados acabem mergulhando novamente para o inconsciente.
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A confiança para revelar ao helper questões internas marcadas por vergonha é um indicador do grau de liberdade interna |
Uma relação de confiança com o helper é desejável, mas não deve ser forçada. Assim, caso ainda existam pontos cuja verbalização a ele traga muita resistência, o recomendável é seguir no autorreconhecimento da questão o mais profundamente possível, enquanto se deixa bastante claro para si mesmo a constatação desta temporária impossibilidade de abertura.
"Fazer com que o reconhecimento consciente se torne outra vez meio consciente tem uma razão específica, meus amigos. É que talvez vocês ainda não estejam prontos e suficientemente livres para verbalizar a outra pessoa – o seu helper – essa mesma vergonha que vocês finalmente admitiram para si mesmos. E como não podem obrigar-se a fazê-lo, vocês tornam a deixar a questão no escuro. Ela volta a ficar indistinta. Seria muito melhor e muitíssimo mais construtivo vocês admitirem para si mesmos: 'Ainda não consigo revelar e discutir esse ou aquele aspecto da minha personalidade'". Palestra 117 – Vergonha como medidor de problemas não resolvidos–, pág. 02.
A questão da confiança no helper é algo sensível no processo da terapia. Na medida do possível, este aspecto deve ser objeto de atenção também por parte do pathworker. Quanto mais clareza e autoconsciência, mais será possível a ele observar com distanciamento qual o seu nível de confiança a se revelar ao helper, e quais podem ser as origens da obstrução a esta entrega. Evidentemente, o helper também faz suas avaliações e abordagens à qualidade do relacionamento terapêutico. Com maturidade, dificuldades identificadas no elo de confiança podem ser tratadas a campo aberto, com serenidade, com o intuito de arejar e, eventualmente, liberar pontos de resistência. A confiança, a entrega a uma autoridade, não implica em dependência emocional. Isto é uma falsa-crença que, se existente, pode ser avaliada e superada. Trata-se de um passo na entrega a Deus, em última instância. Assim, trata-se de um movimento que necessariamente terá de ser feito em algum momento por aquele que anseia pela liberação interna e entrega de si nas mãos de Deus.
"Todos vocês já se entregaram em algumas áreas. Sem isso não vivenciariam a realização e os estados positivos que desfrutam. Seja qual for o crescimento que experimentaram neste caminho, é em parte devido a terem se permitido confiar neste processo, nos seus helpers, seus líderes, em mim. Tudo isso os ajudou a se abrirem um pouco mais e a entregar a sua confiança a Deus. Esta confiança pode ainda não ser completa. Pode não incluir todas as áreas do seu ser. Mas na medida em que essa confiança existe, estão liberados, livres, fortes, autoconfiantes. O que estou dizendo aqui soa realmente como um grande paradoxo. Somente quando se entregarem totalmente, poderão encontrar sua verdadeira força e autonomia". Palestra 254 – Entrega –, pág. 06.
Esta entrega do paciente ao helper só será estabelecida se ambos criarem as condições favoráveis a este processo. O helper deve ter o seu próprio espaço de supervisão para elaboração daquilo que se coloca como obstrução interna a sua boa conduta como terapeuta, que visa facilitar o processo de autodescoberta e autotransformação daqueles que o buscam profissionalmente. Ao pathworker, a terapia é lugar não apenas para a autodescoberta, mas também para jogar luz naquilo que, real ou imaginariamente, se coloca como empecilho ao relacionamento com a autoridade do helper e à entrega de seu conteúdo interno à ele.
No próximo artigo, abordaremos um tema técnico, cujo conhecimento pelo pathworker pode trazer uma perspectiva de mais lucidez sobre a dinâmica da terapia, com resultados favoráveis ao bom andamento do processo. Falaremos sobre transferência e contratransferência.
Muita paz!
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