A Terapia (5) - Transferência e contratransferência
A terapia pode ser um processo transformador, profundo, fascinante na sua possibilidade de o paciente compreender a própria história, ressignificar eventos e ampliar a autoconsciência. Mas também pode ter os seus percalços. Obstruções podem surgir no universo interno do paciente ou do terapeuta, com repercussões negativas para o processo terapêutico.
Trataremos, neste artigo, dos aspectos da Transferência e da Contratransferência. Trata-se de processo conhecido, muito comum e bastante estudado. É parte intrínseca da dinâmica da terapia. Terapeutas, em maior ou menor grau, estudaram sobre o assunto e têm vivência prática nele. Pacientes, por sua vez, geralmente desconhecem esses conceitos. Não é função fundamental deles conhecer esses conceitos em profundidade, pois não são especialistas. Estão ali, naturalmente, para receber o auxílio que buscam. Todavia, pode ser salutar o paciente ter um conhecimento geral sobre a realidade da transferência e contratransferência e como elas podem afetar a terapia. No mínimo, esta compreensão pode ajudar o paciente a se situar melhor no andamento da terapia, identificar certas reações internas que podem sugerir transferência ou intuir contratransferência, por qualquer razão, no comportamento do terapeuta, e lidar com isso de forma mais consciente, fluida e eficaz.
Desde o início, é importante trazer o princípio da autorresponsabilidade, tão caro ao Pathwork: o êxito da terapia não depende apenas do terapeuta, mas também da participação ativa do paciente. Quando o paciente tem alguma maturidade sobre o propósito da terapia, o que ela pede de honestidade e atitude dele próprio, e é capaz de melhor se enxergar dentro dela, ele contribui ativamente para o bom andamento do trabalho. Como veremos, a percepção de correntes subconscientes que podem prejudicar o processo e a comunicação clara com o terapeuta sobre isto que foi identificado pode contribuir para o alcance de melhores resultados.
Comecemos com as definições dos termos.
O que significa Transferência em um processo terapêutico?
Transferência é o fenômeno pelo qual o paciente projeta e reencena sentimentos, expectativas e padrões relacionais originados em vínculos precoces (pais, cuidadores, figuras significativas) sobre a pessoa do terapeuta. Ocorre quando configurações emocionais antigas são ativadas na relação com o terapeuta.
A transferência é um fenômeno universal que se manifesta em todos os pacientes, mas tende a adquirir maior intensidade e complexidade em estruturas de personalidade menos integradas. Por exemplo, sua expressão pode ser mais recorrente e marcada em pacientes com feridas narcísicas não elaboradas, com histórico de insegurança e dificuldade de criar e manter vínculos, com personalidade que alterna mudanças intensas e repentinas de humor.
A expressão da transferência começa de forma mais velada, interna; mas logo, certamente, se revela também na conduta externa do paciente. Ele pode projetar no "terapeuta" seu padrão de comportamento com as figuras de autoridade de sua história, bem como aplicar as defesas criadas pela sua personalidade para lidar com as vivências desafiadoras da primeira infância. Alguns sinais que indicam a existência de transferência são, por exemplo, silêncio prolongado durante a sessão, abandono de sessões e atitudes que expressam idealização, dependência, hostilidade, acusação ou até sedução em relação ao terapeuta. Obviamente, portanto, a transferência se apresenta como resistência, e isto pode ser prejudicial à terapia; por outro lado, ela pode (deve) ser utilizada como oportunidade clínica para trabalhar e reestruturar padrões internos do paciente.
Passemos agora à Contratransferência
Contratransferência são as respostas emocionais do terapeuta desencadeadas pela pessoa do paciente — incluindo reações conscientes e, especialmente, reações inconscientes. Há muitas décadas, no contexto da psicanálise, considerava-se a contratransferência como um obstáculo técnico. Ou seja, colocava-se sobre o terapeuta uma responsabilidade um tanto injusta, uma vez que não é razoável esperar uma neutralidade absoluta dele. Mais recentemente, a contratransferência é vista como uma fonte tanto de autoconhecimento do terapeuta quanto de informação clínica. Isto é, o terapeuta registra suas correntes internas para análise oportuna em seu processo pessoal, e é capaz de usar aquilo que o paciente suscita em si (no terapeuta) para diagnosticar as dinâmicas internas do paciente. Para isso, é fundamental que o profissional não refreie o reconhecimento destas percepções e saiba trabalhá-las neste sentido.
Algumas emoções do terapeuta, suscitadas pelo paciente dentro do setting terapêutico, que são típicas de contratransferência são, por exemplo, tédio, irritação, atração, repulsa, culpa, raiva ou desejo de salvar. Tendo em vista o papel fundamental do terapeuta na boa condução da terapia, caso exista dificuldade em atravessar adequadamente a contratransferência, é previsível imaginar o problema que isto pode representar em estagnação, distanciamento e impossibilidade de ajudar o paciente eficazmente.
O terapeuta — ou, no contexto do Pathwork, o helper — é um profissional capacitado, mas, antes de tudo, um ser humano que também possui uma história, sentimentos, inconsciente e questões em aberto. Espera-se que ele tenha preparo e competência, um bom trabalho prévio de autoconhecimento e até um nível de consciência e vivência mais elevados para bem conduzir a terapia e ajudar o paciente, mas, ainda assim, é suscetível. Por isso a necessidade de supervisão. É importante o paciente também olhar para o terapeuta por esse prisma de humanidade.
E como funciona esta dinâmica?
Transferência e Contratransferência são vistos como fenômenos interativos e co-construídos. Podem evoluir para uma sinergia tanto construtiva quanto desarmônica. Estes dois processos não são a própria substância do processo terapêutico, mas são inevitáveis, como vimos. Uma definição possível para a "essência" da terapia — utilizando-se o referencial da psicanálise para isso — seria o processo de tornar consciente o inconsciente, permitindo que o sujeito elabore seus conflitos internos, liberte-se de repetições compulsivas e amplie sua capacidade de viver de forma mais livre e integrada. No caminho da construção disso, todavia, paciente e terapeuta terão de lidar com seus conteúdos internos que interferem na relação entre os dois: transferência e contratransferência.
Um terapeuta digno da função certamente cuida das suas partes que ainda causam alguma perturbação à qualidade do trabalho que quer prestar àqueles que buscam o seu auxílio. Ele trabalha na elaboração de seus próprios conflitos e observa seus lugares de dependência e insegurança, em que age com perfeccionismo ou anseia obstinadamente ser reconhecido e amado pelos pacientes. Buscará clareza para a intimidade ou distanciamento excessivos na relação terapêutica (os limites necessários, às vezes difíceis de serem demarcados adequadamente).
Vejamos abaixo duas passagens da mesma palestra em que o Guia sugere esta responsabilidade de ambos — paciente e helper — na apropriação de suas resistências internas para, eventualmente, desobstruir o espaço terapêutico.
Sobre a perspectiva do pathworker em terapia, o Guia joga luz sobre o sentimento de vergonha acerca de aspectos de si mesmo, que leva a uma necessidade de reprimir e esconder. Por debaixo disto, há orgulho, por supor que reconhecimentos honestos sobre si e fatos da vida sejam capazes de diminuir o valor pessoal.
"Depois de cada sessão, observem as suas reações, avaliem o quanto vocês avançaram na revelação de si mesmos em comparação com outras ocasiões, e quanto ainda falsificam e se apresentam sob uma fachada diferente, por mais sutil que seja. Talvez uma boa maneira de começar seja falar com o seu helper que vocês ainda têm essas restrições e por enquanto não querem ou não podem eliminá-las. Assim, vocês podem tocar na área geral que provoca vergonha, sem entrar em detalhes por enquanto. Isso pode preparar o caminho e criar o clima adequado. Nem é preciso dizer que o 'inadmissível' se aplica muito menos a determinados fatos do seu passado que vocês não querem que sejam conhecidos e muito mais a um disfarce emocional, a uma falsificação da personalidade. Esse último elemento é infinitamente mais importante". Palestra 117 – Vergonha como medidor de problemas não resolvidos –, pág. 03.
Na sequência, agora tratando do mesmo sentimento de vergonha no universo interno do helper, o Guia mostra como a liberação interna deste neste ponto específico é fundamental para criar uma real capacidade de ajudar o aluno em terapia a dar passos semelhantes no processo dele.
"Também quero aconselhar aqueles que são helpers de outros para terem consciência deste fator, não apenas neles mesmo, é claro, mas também como uma dificuldade das pessoas que estão ajudando. Os helpers devem se lembrar que, na medida em que ainda não estão livres a esse respeito, nessa mesma medida não podem esperar liberdade e autorrevelação por parte das pessoas que ajudam". Palestra 117 – Vergonha como medidor de problemas não resolvidos–, pág. 03.
Nesta série de artigos temos escolhido colocar foco na ação do pathworker. No contexto da terapia, como vimos, este também tem sua parcela de responsabilidade. Assim, com atenção e serenidade, saberá, primeiramente, usar o atributo da auto-observação para identificar tanto quanto possível estas reações internas em relação ao terapeuta e, em segundo lugar, comunicar ao terapeuta, no momento adequado, o teor destes sentimentos em desalinho, motivado a fazer a sua parte no muito saudável esforço de manter viável a relação terapêutica.
Compreender esse processo já representa um grande passo: essa clareza se refletirá na atenção, postura e motivação do pathworker na terapia. O ‘como fazer’ surgirá naturalmente, pela intuição, pelo estudo e pela prática — num movimento contínuo de fazer e aprender.
Quando o paciente trabalha com um profissional verdadeiramente capacitado, suas ações de comunicação sobre sentimentos transferenciais tendem a ser acolhidas com respeito e abertura. Longe de serem vistas como inadequadas ou problemáticas, essas manifestações costumam ser reconhecidas pelo terapeuta como um sinal de maturidade e de envolvimento profundo com o processo. Para o profissional, essa postura representa uma oportunidade valiosa de trazer à luz conteúdos que, de outro modo, permaneceriam velados, dificultando o andamento do trabalho. Ao favorecer a transparência emocional e a confiança mútua, esse tipo de comunicação contribui para “limpar” o campo terapêutico, fortalecendo a relação e ampliando significativamente as chances de um processo mais autêntico, eficaz e transformador.
Muita paz!
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