A Revisão Diária (2) - O o que e o como

Podemos manter um diário pessoal por um número de razões. Por exemplo, há quem use um diário para escrever livremente sobre acontecimentos do cotidiano, bons ou ruins, registrando os fatos vividos e eventualmente se pondo a refletir sobre algo. Há também o diário de gratidão, muito recomendado por profissionais de saúde mental, em que se coloca foco nos aspectos da vida sobre os quais há motivo para ser grato. Há ainda pessoas que escrevem diários com o propósito de refletir sobre vivências e conhecimentos de caráter profissional, a fim de evoluir sua expressão nesta área.

Psicólogos, psicanalistas e terapeutas são testemunhas dos benefícios que o hábito de manter um diário pode gerar aos seus pacientes. É comum recomendarem esta prática, em associação ao trabalho terapêutico regular, aos seus pacientes com sintomas de 
depressão, ansiedade ou traumatizados por qualquer motivo. Já existe comprovação científica da redução de sintomas em geral. Nestes casos, escrever um diário ajuda a trazer à tona elementos do inconsciente e cria uma espécie de espaço de transferência em que a projeção do conteúdo interno de pensamentos e sentimentos na escrita permite alguma elaboração dele e amplia a consciência sobre si mesmo e sobre sua própria trajetória.  
 
A revisão diária proposta pelo Guia do Pathwork tem semelhança com os exemplos de diário pessoal elencados anteriormente, tais como o registro de fatos vividos cotidianamente, a reflexão sobre eles e o espaço curativo que isto traz ao praticante, mas também tem uma característica que a difere em conceito e motivação, que é a ênfase em registrar as situações do dia que nos causaram alguma desarmonia. A revisão diária quer, em suma, conhecer progressivamente o conteúdo, a dinâmica e os contornos de nosso eu inferior.

 Em breve definição, podemos dizer que o eu inferior consiste em nossas falhas e fraquezas humanas, de ignorância e preguiça. É uma parte de nosso ser que não quer a mudança, pois ela afeta a sua própria existência. O Eu inferior é orgulhoso, egoísta e vaidoso, desejando muitas coisas para si, mas sem disposição para pagar qualquer preço. O eu inferior pode ser hostil, violento, destrutivo e cruel. Cada pessoa possui sua configuração particular de eu inferior – e de eu superior também –, com suas respectivas variedades, intensidades, expressões etc.

 Assim, na revisão diária busca-se rastrear e descrever eventos-chave do dia a dia que nos desestabilizaram emocionalmente de alguma forma, registrando-se as reações emocionais e pensamentos que tivemos. Ela deve ser feita por escrito, preferencialmente num diário ou caderno específico para isso, ou também pode-se utilizar qualquer editor de texto ou aplicativo presentes nos modernos recursos eletrônicos de que dispomos ― computador, celular etc.

 
O importante é que o pathworker busque zelar pela segurança e privacidade de suas anotações, uma vez que não deve haver qualquer censura interna ao que se registrará, que inevitavelmente é de natureza profundamente íntima. Ninguém a não ser o aluno deve ter acesso a sua revisão diária. Este cuidado é essencial.

Revisão Diária Pathwork
A revisão diária é uma dimensão fundamental da metodologia Pathwork

Vejamos como o Guia sugere que façamos a revisão diária de uma forma muito prática e direta:

"Fazer sua revisão diária não levará mais de 10 a 15 minutos por dia, o que certamente deve ser possível para cada um de vocês. Vocês não precisam escrever tudo, bastando algumas palavras-chave. Fazendo isso constantemente, vocês conseguirão tornar o inconsciente consciente e descobrirão suas próprias tendências interiores. Vocês certamente reconhecerão padrões na sua vida sobre os quais vocês não poderiam tomar consciência de outra forma". Palestra 028  Conversando com Deus - Revisão diária −, pág. 06. 

Desta forma, poucos minutos geralmente são suficientes para uma revisão competente dos acontecimentos que nos causaram reações emocionais desagradáveis ao longo do dia. De uma discreta reação emocional a uma crise existencial que mobiliza todas as nossas defesas, tudo o que nos perturba o campo emocional pode e deve ser objeto de escrutínio. Estes contínuos reconhecimentos são uma ajuda valiosa para discernir tanto os aspectos mais grosseiros quanto os mais sutis de nosso eu inferior; e estes não são em nada menos reprováveis e capazes de criar negatividade em nossa vida do que aqueles.

Sobre a necessidade de ser bem específico em nossa autoenfrentamento diário, o Guia afirma:

“Todo teste, toda prova é o resultado direto ou indireto da própria imperfeição, e sua finalidade também é inevitavelmente aprender com a experiência e, assim, corrigir as fraquezas individuais. Vocês, que pertencem ao núcleo central, têm uma grande responsabilidade e, portanto, precisam tornar-se fortes. E isso só pode ser conseguido por meio de acontecimentos de todo tipo, mesmo aqueles que aparentemente não são importantes, que aparentemente são coincidências. Quem realmente segue o caminho, ativamente e com os olhos abertos, observará e testará tudo que lhe acontece durante o dia, para poder aprender mais sobre si mesmo.” Palestra 020 − Deus: a Criação −, pág. 01.

O mais comum e recomendável é que a revisão diária seja feita à noite, pois estamos em mente com tudo o que vivemos o dia, mas, se preciso e conveniente, qualquer outro momento é adequado para se sentar só e fazer sua revisão. A proximidade temporal entre o fato vivido e seu registro favorece a identificação mais precisa das reações emocionais, pois toda a carga emocional e memória de detalhes ainda continuam ativas. Isto explica porque a revisão deve ter essa regularidade diária.

A revisão diária é uma fonte poderosa e infindável de autoconhecimento ― pois infinito é o nosso inconsciente ― e sua prática regular permite que, pouco a pouco, identifiquemos e ampliemos o conhecimento de nossos medos, vaidades, obstinações, fraquezas, defeitos de caráter, que são aspectos de nosso eu inferior, bem como traz à superfície da consciência para a nossa observação aspectos antes desconhecidos de nossas imagens pessoais e máscara. Todo esse conteúdo, na prática, se expressa em sentimentos e pensamentos, de vários matizes, que se repetem frequentemente, mas que até então escolhíamos ignorar, reprimir ou negar. O Guia diz que a maior parte disto sequer é material do inconsciente, mas sim do subconsciente, que roda num nível um pouco abaixo de nossa mente racional consciente. Na verdade, são correntes de sentimento, pensamento e vontade (motivação, intencionalidade) que funcionam bem "debaixo de nosso nariz" e só não são mais conscientes devido a este mecanismo de defesa que negligencia a sua existência.

Evidentemente, existem também os elementos do inconsciente que afloram ― deixam seus vestígios à mostra ― nessas situações de desarmonia e que temos, a partir da revisão diária, a oportunidade de irmos lentamente discernindo seus contornos, decodificando-os e tomando consciência de seu conteúdo. Tornar as correntes inconscientes conscientes não é ainda purificação ― transformação das correntes em distorção para padrões construtivos ―, mas é a condição para esta possibilidade.

A prática regular da revisão diária nos propicia justamente este progressivo autoconhecimento ― autoconhecimento profundo, mesmo ―, que vai desenhando um mapa cada vez mais abrangente e bem delineado de quem somos e, sobretudo, do escopo do eu inferior que trouxemos nesta encarnação para ser, esperançosamente, transformado.

Neste trecho, o Guia do Pathwork sintetiza o quão poderosa a revisão diária é para gerar autoconhecimento, como realizá-la e o que entrega de resultado neste caminho. Vejamos:

"[...] eu diria que o melhor modo de descobrir fatos a respeito do seu inconsciente, à parte da análise de sonhos, que poucos sabem como fazer, é o que eu chamo de Revisão Diária. Com a sua ajuda, você pode descobrir suas verdadeiras reações a certas coisas; você começa a se despir de suas máscaras e abandonar seus fingimentos. Você descobrirá onde suas ações estão contra uma Lei Espiritual. A revisão diária deve ser conduzida da seguinte maneira: deixe que o dia inteiro passe à frente dos seus olhos e na sua memória; pense em tudo que aconteceu que tenha lhe trazido um sentimento ou reação desarmoniosos. Não importa quão errada a outra pessoa possa ter sido, no momento em que você foi negativamente tocado por isso, deve haver algo de errado no seu interior. Escreva em poucas palavras as ocasiões, suas reações e associações. Se prosseguir com esse processo por algum tempo, e não o fizer apenas uma ou duas vezes, verá que um padrão claro começa a se formar. A princípio os incidentes parecerão inteiramente desconexos e isolados; não farão sentido no começo. Mais tarde começará a sentir e, no devido tempo, a compreender claramente o padrão. Isso o ajudará muito.” Palestra 017 − O chamado −, pág. 07

Os alunos iniciantes de grupos de estudo e de formação (PPTP) da Regional Pathwork® Rio de Janeiro e Espírito Santo eventualmente recebem um minicaderno de revisão diária com uma configuração, em forma de tabela, como a mostrada a seguir. 


REVISÃO DIÁRIA

EVENTO DESARMONIOSO

(acontecimento sintético)

SENTIMENTO

(pensamentos, emoções, atitudes)

Segunda ( / )

O professor me pediu para fazer um comentário em público

 

Tive um aborrecimento com meu filho e proibi que ele usasse o carro

 

Discuti com meu amigo de trabalho por causa de...

 

Vergonha

  


Culpa

 

 Raiva/ Vitimização

 

Modelo de caderno de revisão diária para alunos iniciantes.

No contexto do modelo proposto acima, existe ainda um outro aspecto da prática da revisão diária que é muito recomendável: reler as anotações com alguma periodicidade. Isso ajuda a discernir os padrões do eu inferior, que tentam se esconder por entre aqueles tantos registros, e a fazer associações entre eventos separados no tempo e que podem se mostrar aparentemente não relacionados do ponto de vista da expressão de nossos defeitos.

Não existe regra para esta periodicidade de releitura. A Regional Pathwork® Rio de Janeiro e Espírito Santo, em seu modelo de caderno de revisão diária para alunos novos, sugere uma frequência semanal, com algumas perguntas que orientam a atenção para uma percepção mais efetiva dos aspectos de eu inferior, expressos naqueles registros, que estão disponíveis para serem discernidos e trazidos à luz da consciência.

Resumo da Semana

 Fatos que mais se repetiram:

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Emoções, sentimentos ao comprovar repetição dos fatos:

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Questionamentos

1-      Quais são os eus que estão aparecendo na revisão diária? É o meu eu repressor? É o meu eu destruidor? É meu eu criança?

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2-      Desses acontecimentos que estão ocorrendo em minha vida, quais são as minhas crenças? 

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3-      Onde eu consigo ver e enxergar as minhas sombras, o meu eu inferior?

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Modelo de caderno de revisão diária para alunos iniciantes.

Esta estrutura de revisão diária preza pela objetividade e concisão, e está alinhada à instrução do Guia no trecho da palestra 017 mencionado acima. No meu ponto de vista, é um modelo funcional e pedagógico nos estágios iniciais do caminho, quando o aluno ainda está tentando lidar com a resistência ao autoenfrentamento e com os obstáculos internos à prática regular da revisão diária. Com breves e concisas notas acerca dos eventos desarmônicos do dia e os sentimentos associados, já se vai gradativamente evidenciando para o aluno os primeiros padrões de seu eu inferior. Faz-se assim uma efetiva revisão diária com menos de cinco minutos; e isso acontece sem investigações e elaborações mais profundas e demoradas, o que exigiria muito de um eu observador que ainda está sendo estruturado.

Quando o hábito da revisão diária já estiver mais firmado, o eu observador mais fortalecido e o aluno mais experiente em seu processo pessoal de autoconhecimento, então é conveniente detalhar um pouco mais as notas; sobretudo, descrever com precisão as nuances das reações emocionais, dos pensamentos, das associações que pudermos fazer. Devemos tentar traduzir a voz de nosso eu inferior da forma mais cristalina possível. Chegaremos então àqueles 10 ou 15 minutos diários, mencionados pelo próprio Guia, como suficientes para uma efetiva revisão diária. E neste estágio, penso ser mais adequado escrever livremente as notas num caderno, aplicativo ou editor eletrônico, pois a estrutura do modelo apresentado se tornará desnecessária.

Por fim, é importante destacar que nos momentos de vida em que experimentamos o eu inferior de forma mais aguda do que o normal, com manifestações bastante desagradáveis, em forma de conflitos ou crises mais acentuadas, será conveniente nos dedicarmos a uma revisão um pouco mais extensa. Nestes casos, além do registro das situações e reações emocionais, devemos também nos investigar e tentar escrever sobre o pano de fundo das reações observadas e sobre qualquer percepção ou intuição que pudermos alcançar sobre aquela circunstância. 

Já sabemos o que é a revisão diária e como praticá-la para o benefício de nosso trabalho de autoconhecimento. Nas próximas postagens, seguiremos abordando conceitos sobre esta dimensão do Caminho que nos darão uma noção ainda mais ampla de sua relevância e como ter uma perspectiva e atitude interna construtivas em relação a ela. 

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