A Revisão Diária (3) - E o Guia implorou

 

Revisão Diária - O Guia implorou

O nome “revisão diária” costuma suscitar resistências. Temos, em geral, dificuldade com qualquer coisa que remeta à ideia de “disciplina” ― outra palavrinha proibida para nosso eu inferior. A simples sugestão de uma prática que se propõe a ser “diária” e, sobretudo, que tem o objetivo de olhar com essa frequência sistemática para eventos desagradáveis de nossa vida cotidiana já levanta, para a maioria das pessoas, uma parede em sua motivação interna.

Isso é compreensível. É da nossa natureza humana evitar voluntariamente olhar e lidar com aquilo que nos incomoda, tanto mais com uma regularidade tal que pode ser percebida em nosso campo emocional como uma "ordem"algo quase obrigatório, como se imposto de fora por uma autoridade desconhecida. Vê-se como a revisão diária pode, já de partida, tornar-se uma prática difícil de aceitar e incorporar à rotina pessoal.

Mas não há ordem, nem uma autoridade externa a nos forçar a fazer qualquer coisa. O Guia do Pathwork, eventualmente, pode ocupar no imaginário do pathworker este lugar de "autoridade", mas não é o caso, absolutamente, percebê-lo dessa maneira quando ele recomenda que façamos a revisão diária. Trata-se disto: a sugestão de uma prática poderosa, assentada em autorresponsabilidade. 

Em uma das palestras, o Guia usou o termo "implorar" ao orientar que incorporemos a prática da revisão diária em nosso caminho pessoal. Em nenhum outro momento, em toda a extensão do material que nos entregou, tal palavra foi novamente utilizada. Talvez isso dê uma ideia mais clara do peso que a realização da revisão diária possui no contexto do “Pathwork na prática”.

"[A revisão diária e a boa prática do reexame dos registros] tomam tão pouco tempo e eu imploro a vocês, para o seu próprio benefício, que os façam". Palestra 028  Conversando com Deus - Revisão diária −, pág. 07. 

Não será exagero se considerarmos a revisão diária como a base do próprio Caminho pela enorme capacidade que ela tem de desenvolver o eu observador em nós, bem como expandir e aprofundar, continuamente, nosso autoconhecimento. Todas as outras dimensões do caminho, sobre as quais estamos gradativamente tratando neste blogue, se enriquecem grandemente a partir desta prática fundamental da revisão diária.

A prática do Pathwork é necessariamente multifacetada e cada dimensão cumpre um papel importante, que complementa e se integra às demais, contribuindo no resultado do processo de autotransformação que se deseja empreender. O ideal é que, como numa receita, todos os ingredientes estejam ali, mesmo que agregados em momentos diferentes do preparo, para que o resultado seja o melhor possível. A falta de algum ingrediente pode, eventualmente, não alterar tanto o resultado, mas certamente há algum ingrediente cuja falta por si só inviabiliza a receita. Feijoada sem feijão, por exemplo, não faz uma feijoada. Penso que a revisão diária seja esse ingrediente ― no caso concreto, prática ― imprescindível àquele que busca verdadeira autotransformação por meio do Pathwork.

Para deixar de lado o perfeccionismo e a ansiedade associada, é válido, de início, aliviar o peso do adjetivo “diária”. Nem o pathworker mais diligente mantém esta impecável frequência. Trata-se de uma prática cuja regularidade é, sim, muito importante, mas que não deve conter em si obstinação ou intolerância consigo mesmo se um determinado “nível de desempenho” não for atingido. Busque fazer com a máxima regularidade que lhe for possível. Se, por exemplo, a despeito de ter sido um dia que merecia uma cuidadosa revisão, você não a fez por falta de tempo, cansaço, mau-humor ou qualquer outro motivo, que isso não seja mais uma causa para autodecepção. Tente fazer no dia seguinte, ou siga em frente, retomando quanto antes a prática da revisão diária do ponto ― ou do dia — em que se está.

Pode-se também não fazer a revisão diária por outra razão. Se, por exemplo, por uma conjunção muito benéfica de fatores e situações, você teve um dia de vida absolutamente tranquilo, sentindo-se bem consigo mesmo e com todos. Em casos assim, revisar o quê? Nada, apenas desfrute. O normal, todavia, é que em virtualmente todos os dias haverá alguns momentos de desarmonia que podem ser chave para o nosso autoconhecimento.

Sua prática e o Pathwork pessoal

A revisão diária propicia autoconhecimento e clareza do ponto em que se está; e esse valioso conteúdo nutre e orienta, naturalmente, tudo o mais que se propõe a fazer nas demais dimensões de nosso Pathwork pessoal. A terapia individual, por exemplo, se enriquece quando se coloca foco na investigação das questões mais prementes que estão aparecendo nas revisões, quando se traz a campo aberto, para o terapeuta, às imagens cujo teor se conseguiu identificar e traduzir em palavras, ou quando se traça com mais consciência as relações de causa e efeito entre estes conteúdos e a criação de limitações e irrealizações em áreas específicas de nossa vida.

O inventário pessoal, que, como veremos, é um estudo objetivo acerca de vários aspectos de nossa personalidade, também tem sua qualidade e abrangência muito favorecidas pelo que se apreende da revisão diária. O nível de conhecimento de nossos defeitos, qualidades, medos, necessidades falsas, vaidades e máscara, para ficar apenas nesses, é muito maior quando já se passou por um razoável período de honesto autoenfrentamento e escrutínio pessoal. O resultado é um inventário pessoal que consolida esse mapa de autoconhecimento, que ajuda a marcar o ponto em que estamos e que deixa mais claro como orientar nosso trabalho de autoconhecimento e autopurificação para melhor enfrentar e, eventualmente, transformar aqueles que se revelam nossos principais núcleos de distorção psicológica e espiritual.

Fica mais fácil, agora, compreender como a riqueza do conteúdo interno revelado por meio da revisão diária abrange e beneficia as outras dimensões da prática do Pathwork: a oração, a meditação, o trabalho em grupos ou a preciosa troca com os colegas de caminho, por exemplo.

Continuamos nesta dimensão da revisão diária nas próximas postagens. Abordaremos alguns requisitos para a sua realização mais eficaz e alguns conceitos que ampliarão mais um pouco nossa visão sobre ela. 

Muita paz!

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