O Inventário Pessoal (10) - A autoimagem idealizada

Tratamos neste artigo de um conceito muito caro a todo pathworker: a autoimagem idealizada (AII). A identificação da autoimagem idealizada representa um trabalho relevante dentro da metodologia Pathwork, pois a partir deste estudo podemos compreender como construímos a defesa mais importante de nossa personalidade. E defesas, como sabemos, atuam de forma deletéria ao nosso real interesse e, por isso, o trabalho neste caminho busca a gradual dissolução delas. 

A autoimagem idealizada é outra designação para o que o Pathwork denomina “máscara”. Um estudo objetivo sobre esta camada de nossa personalidade é algo imprescindível no trabalho de autoconhecimento e autopurificação e, geralmente, tanto a observação quanto o enfrentamento em nível emocional da máscara em atuação se dão já na fase inicial de um caminho com este. 

O estudo sobre nossa autoimagem idealizada no âmbito do inventário pessoal é muito útil. Conhecer com clareza todo o escopo e os detalhes da expressão da máscara pessoal é o primeiro passo no sentido da sua dissolução, no tempo, no nível emocional. Dissolver a máscara é o meio fundamental para retomarmos contato com nosso eu real ― com a verdade daquilo que somos agora ―, que é onde reside nossa possibilidade de encontrarmos o que buscamos e precisamos: serenidade, autorrespeito, segurança, paz. 

Toda a autoinvestigação pregressa servirá de insumo para esse esforço de discernimento. 

Primeiramente, cabe uma recapitulação do conceito.


O que é a Autoimagem idealizada?


A criação da autoimagem idealizada, ou máscara, é a principal estratégia de defesa criada. Ela faz uma farsa de nós mesmos na vã tentativa de nos afastar da experiência negativa e nos aproximar da felicidade, aceitação e amor que tanto ansiamos receber de nossos pais e, posteriormente na vida, das demais pessoas e figuras de autoridade. Todavia, fracassa duplamente em seu propósito: não evita a dor que tememos, mas acaba por acentuá-la. Sendo a farsa que é, ela nos aliena de nossa essência, de nosso self, e nos priva de desenvolvermos os necessários sentimentos de autoconfiança, integridade e paz. Isso inviabiliza o desenvolvimento de nossos talentos, relações humanas saudáveis e verdadeiras e de escolhas alinhadas ao nosso eu real ― sufocado e alienado por debaixo das camadas de máscara e eu inferior ; enfim, tudo aquilo que conduz a uma vida construtiva e feliz.

Autoimagem Idealizada Pathwork
A autoimagem idealizada é a principal e a mais danosa das nossas defesas


Quando a criança, devido a seus maus comportamentos, é admoestada ― e com isso é privada do amor das autoridades ―, ela acaba por concluir que a “solução” para a felicidade está em ser boa, santa e perfeita. Essa “perfeição” torna-se uma questão de vida ou morte para a sua sobrevivência emocional. A máscara vai sendo, pouco a pouco, engendrada, mesmo com a personalidade sabendo que tais comportamentos não correspondem a sua realidade interna e sentindo culpa por isso. O eu real vai sendo cada vez mais recoberto e alienado por essas camadas de fingimento. Não importa o quanto tentemos e insistamos, a autoimagem idealizada não se realiza, pois suas premissas são equivocadas e irreais, e isso nos divide e conflita cada vez mais.

Essa estratégia de defesa pode assumir muitas formas. Muitos racionalizam e acham difícil sequer questionar os padrões morais e de excelência da autoimagem idealizada, que podem ser muito elevados. “Mas agir e ser desta maneira não é o esperado e desejável? ” Há uma diferença enorme entre sentimentos genuínos e aqueles impostos de forma tirana pela autoimagem idealizada. Morremos de medo de enfrentar nossa imperfeição pessoal e sermos supostamente devastados por crítica, culpa, vergonha.

O orgulho da autoimagem idealizada também pode se manifestar numa atitude agressiva, desafiadora, ambiciosa. A depender da personalidade, o indivíduo pode sentir-se superior, mais forte e independente com essa defesa. 
Qualquer que seja o caso, uma vez que ela revela seu fracasso, ela castiga a personalidade com sua tirania, ativando sentimentos de baixa autoestima e miséria pessoal. Imediatamente, outro mecanismo entra em ação com o objetivo de nos aliviar desses sentimentos tão insuportáveis: a projeção. Nós ressentidamente projetamos no mundo, na vida, nos outros a culpa pelo nosso fracasso.

Chega a hora em que a vida mostra cabalmente a ilusão de nossa autoimagem idealizada. Enfrentar essa verdade interna é a principal razão para muito de nosso sofrimento, muito mais que a situação exterior em si, seja ela qual for. Nossa insegurança cresce, assim como nosso senso de fracasso e, às vezes, até mesmo nosso desespero. A resistência se acirra, pois acreditamos que temos que realizar a autoimagem idealizada e colocamos ainda mais força nesse processo, na esperança de que, insistindo, uma hora ele prevalecerá. Trata-se de um círculo vicioso que precisa ser exposto à luz da consciência e desconstruído em seus mecanismos inconscientes.

Devemos nos perguntar de que forma nossa autoimagem idealizada se manifesta. Quais são as causas e efeitos conectados a ela? Seu enfrentamento e sua exposição trarão a nós, cada vez mais, autorresponsabilidade e maturidade. Perceberemos, emocionalmente, que não precisamos dela para vivermos e sermos felizes. Rasgar a autoimagem idealizada significa o “renascimento” do eu real. Deixamos para trás uma parte muito significativa de nossa dualidade. Palavras são incapazes de descrever o senso de liberação interior que nos traz a dissolução desta defesa.

A máscara rouba energia de nosso centro e nos aliena de nosso eu real, que é absolutamente confiável, mesmo que nossos sentimentos ainda estejam numa condição imatura e distorcida. É apenas no eu real que eles ― sentimentos, intenções, pensamentos ― poderão ser reorientados e amadurecidos. O eu real sabe que não pode ser perfeito por um ato de vontade e é realista e paciente com sua imperfeição do presente. No eu real, nossa transformação interna realmente começa a acontecer. A autoimagem idealizada, por ser uma falsidade, aparenta ser algo maior que o eu real. No entanto, pelo fato de o eu real corresponder à verdade do que a pessoa é, ele é muito superior à máscara. E a diferença é sobretudo qualitativa. Nossas reações às pessoas e a diversos aspectos da vida começam, gradualmente, a mudar, a se ajustar. Estar no eu real é como “chegar em casa”.

O estudo da Autoimagem Idealizada


O trabalho de investigação e descrição da autoimagem idealizada não segue um passo a passo específico. No âmbito do inventário pessoal, escreva longa e detalhadamente sobre a expressão de sua autoimagem idealizada, em suas várias facetas, e os sentimentos associados a ela. O conteúdo da autobiografia, no que diz respeito aos seus primeiros anos de vida e a relação com seus entes mais próximos, sobretudo as figuras de autoridade, bem como os registros da revisão diária, serão recursos valiosos para reconstruir o processo de formação da autoimagem idealizada, as razões de ela ser da forma como é, e o custo emocional atual que ela tem cobrado. Reconheça o dano que ela causa a si e às outras pessoas. Este reconhecimento ajudará muito no trabalho de dissolução dessa imagem.

“Vocês não devem abordar esta parte importante de seu trabalho interior com conceito generalizado. Como sempre, suas reações diárias mais insignificantes, consideradas a partir deste ponto de vista, produzirão o resultado necessário. Portanto, continuem na busca de si mesmos a partir destas novas considerações e não fiquem impacientes se levar tempo e esforço relaxado.” Palestra 083 – A autoimagem idealizada −, pág. 07. 

Tome o tempo que for preciso para esgotar dentro de você esta análise com o autoconhecimento conquistado até o momento. Não importa se isso lhe custar alguns dias, semanas ou meses de trabalho, persevere até que inquestionavelmente seja alcançada uma visão nítida e rica dessa que é, nas palavras do Guia, a “imagem de todas as imagens”. Sentimentos negativos são ótimos indicadores da presença de autoimagem idealizada em atuação. Siga-os. Sobre isso o Guia diz:

“Sensação de fracasso, frustração, e compulsão, bem como culpa e vergonha são as indicações mais gritantes do seu eu idealizado a serviço. Estas são emoções sentidas conscientemente dentre todas aquelas que restam escondidas mais abaixo.” Palestra 083 – A autoimagem idealizada −, pág. 04.

Ainda temos mais alguns artigos até a conclusão desta série sobre a dimensão Inventário Pessoal da prática do Pathwork. A grosso modo, as sugestões de autoestudo que temos feito têm um nível crescente de complexidade, de forma que o trabalho nos primeiros temas auxilia na construção dos estudos que vêm depois. Abordaremos, ainda, o nível das nossas intenções negativas, nossas necessidades reais (e as falsas) e um mergulho no inconsciente por meio da análise de nossos sonhos.


Muita Paz!


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